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O DIA DE UMA MULHER
Poema-monólogo)

                                                                (José Fortuna)

Veja como é o dia de uma mulher
Nem pobre, nem rica é remediada
Tem cinco ou seis filhos, marido operário
E assim vão levando uma vida apertada

Levanta bem cedo, já corre no espelho
Estica de cá, repucha de lá
E desanimada: “não tem mais remédio
As rugas chegaram, não adianta esticar”

Já vai pra cozinha e  coando o café
Ela grita: João, levanta que é hora
Apanha o leite lá no bar da esquina
E corre pra ver o caçula que chora

Apronta as crianças que vão para a escola
Marido já sai, e vai ao trabalho
E ela no muro: Maria, me empresta
Um pouco de sal, e umas cabeças de alho?

Já emenda a conversa: Menina, você viu
Na novela de ontem, que beijo sem fim?
Que pouca vergonha, mas por dentro ela pensa
Que bom se meu João me beijasse assim

Viu o Zé Fernandes, que cara de pau?
Foi dar nota zero pro calouro de Itu
Ah! e por falar nisso agora me lembrei
Devo pagar hoje o carnê do baú

Você viu ontem à noite dois vultos na esquina
Era a Terezinha com o namorado
É... as coisas mudaram, lembra o nosso tempo?
Nossos pais traziam a gente num cortado!

E a filha da Júlia, viu que descarada?
Não tem 13 anos já tá namorando
Falta de pancada, e cheira, Ai Jesus!!!
Depois conto o resto, o feijão tá queimando

E assim vai passando, um dia de luta
É costura, fogão, cobrança – E dinheiro?
Crianças doentes, remédios tão caros
É só apelando para o curandeiro

Gritando com os filhos, é aquele berreiro
Toninho, Tereza, não briguem, eu já disse
Luiz, vá com o Júlio benzer a Cidinha
De bucho virado na Dona Clarice

É gato que mia, cachorro que late
Crianças que brigam e prato a quebrar
E aquela mulher ainda é feliz
Porque tudo aquilo é seu mundo, seu lar

Na parte da tarde, pra ajudar o marido
Costura cuecas pro turco da loja
É... hoje costurei mais de cinco dúzias
Quem sabe o Salim me dá uma gorja

À tarde o marido regressa cansado
E o pouco ordenado num instante evapora
Fica no açougue, empório e farmácia
E ela...”Quem sabe pro ano melhora”

Começa as fofocas, João, a vizinha
Brigou com o marido de ciúme da prima
Viu? O filho da Antonia jogando peteca
Quebrou a vidraça da loja da esquina

E assim finda o dia daquela mulher
Moída, cansada por tudo o que fez
Vai dormir pensando: É... amanhã de novo
Devo fazer isso tudo outra vez