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O CANDIDATO E O CAIPIRA

Poema diálogo                                                   (José Fortuna - grav. Zé Fortuna e Pitangueira)

 

Candidato: -Olá caboclo, bom dia. Então, como vai você?
Caipira: -     Vou indo bem, seu Doto,  mas me descurpe eu dizê
                    eu não conheço o sinhô. Quem tu é, posso sabê?

Candidato: -Ora, caboclo, nunca ouviu falar do Dr. Pereira?
                    Fui prefeito há muito tempo no Arraial das Caneleiras.
Caipira: -     Ah! Já ouvi falar do seu nome, mas o que eu tô admirado
                    é que eu nunca vi o doutor andando por estes lado
                    e hoje por que razão abandonou o povoado?
                    Prá vir conversá na roça com um caboclo pé-rapado?
Candidato: - Aí é que está o motivo de eu vir lhe visitar:
                    pensei em você que passa o dia todo a labutar
                    capinando a terra dura sem ninguém lhe auxiliar.
                    Porisso eu deixei a cidade e vim aqui lhe ajudar.
Caipira: -     Mas doutor,  tô até envergonhado só de ouvir o senhor falar,
                    o senhor deixou a cidade pra vir aqui me ajudá?
                    o doutor tem as mão fina, num vai se acostumá
                    doutor, o cabo da enxada vai suas mãos calejá
                    bem, mas já que o senhor insiste vou uma enxada lhe arrumá.
Candidato: -Não, não, não, não é isso que eu quero. Você entendeu mal, o fato
                    é que as eleições vem aí e eu sou um dos candidatos.
Caipira: -     Bem que achei impossível tanta fartura hoje em dia!
                    quando o milagre é demais até o santo desconfia.
Candidato: -Mas como eu estava dizendo. Eu quero, se for eleito,
                    lhe auxiliar na assembléia defendendo seus direitos,
                    enquanto você trabalha de sol-a-sol aqui no eito,
                    eu luto para que a Pátria reconheça o vosso feito.
                    Eu vim pedir o seu voto, que é a arma do cidadão
                    com ele você me elege e formamos a união
                    para juntos construirmos a grandeza da Nação!
Caipira: -     Muito bonito, Dotô! Sua fala doce tem mé.
                    mas tu qué sarvá a nação lá na cidade, não é?
                    mas pegá no guatambu de sol a sol tu num qué!
                    Pois daqui depende a Pátria, das lavoura do sertão.
                    destes campos, destas matas, dos calos de nossa mão,
                    desses caboclo que luta sem nunca ter recompensa
                    sem estrada, sem recurso, sem remédio pras doença
                    e o Dotô se for eleito já qué aumento dobrado
                    desse tar de subsídio que o pobre chama ordenado
                    e prá que desigualdade se somo igual brasileiro
                    pois ganha mais tu num dia do que o pobre o  ano inteiro?
Candidato: -Mas é justo que devemos ganhar mais do que vocês
                    pois o que eu gasto num dia, você não gasta num mês.
Caipira: -     Não gasto porque não tenho, mas bem que eu sei o que é bom!
                    Ah, se eu pudesse possui automove, televisão.
                    Por isso o certo seria vocês num ter ordenado
                    Prá vê quem era no duro, um democrata apurado
                    Garanto que ninguém mais queria ser deputado
                    E tem mais, se aqui a seca acabá com as plantação
                    Não aparece ninguém oiá pra nóis no sertão
                    E por que só vem agora nas época de eleição?
Candidato: -É porque não temos tempo de abandonar a cidade
                    ocupado com os problemas que afligem a sociedade.
Caipira: -     Óia outro erro, Dotô, se eu fico sem trabaiá
                    o patrão me manda embora, não tenho com quem queixá
                    e vocês lá na assembléia se quizé pode fartá
                    um ano inteiro e recebe ordenado legar.
                    Se um dia o pobre caboclo cansado da dura lida
                    fizé um erro, coitado, tá preso por toda a vida
                    enquanto vocês, Dotô pode errá a vontade
                    não tem cadeia porque goza da imunidade.
                    Por isso me dá licença tenho outra ocupação
                    Meus fios, pega a enxada e vamo entrá no taião -
                    essa conversa, Dotô, num enche barriga, não.