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ZÉ GAVIÃO, INSPETOR DE QUARTEIRÃO
(monólogo escrito em 18/05/1965)
dialeto caipira

                                                                              (José Fortuna)

ZÉ GAVIÃO:
Meus compadre e comadre
Depois daquela carreira
Que nóis demo pra vale
No tar de Doutor Pereira
O povo desse arraiá
Fizero uma reunião
Resorvero me elegê
Inspetor de quarteirão
Pra eu memo resorvê
Os problema do sertão
Sem recebê um vintém
Do tesouro da nação
Eu não sei falá difíci
Mais dá proceis compreendê
Os doto fala difíci
Que é pra gente não entendê
Porisso bamo esquecê
Esses tar de deputado
Que só fala e não faiz nada
Para o nosso povoado
As promessa que eles faiz
Nóis pode esperá sentado

DOUTOR PEREIRA:
Eu protesto, não é possível
Que um homem sem instrução
Venha ditar leis
Numa afronta a nossa Constituição

ZÉ GAVIÃO:
Olá seo dotô Pereira
O sinhô se lavô direito
Da carga de ovo choco
Que te atiramo no peito?

DOUTOR PEREIRA:
O mal se paga com o bem
Porisso eu vim prometer
Que farei um hospital
Se acaso me eleger
E você que é analfabeto
O que poderá fazer?

ZÉ GAVIÃO:
O sinhô só fala que faiz
E até hoje não feiz nada
Porisso nóis resorvemo
Pra tratá da cabocada
Contratá o Zé Belarmino
Benzedô de dor de dente
Ele faiz um chá de sabugueiro
Abafado n´agua quente
Misturado com outra coisa
Que não há sarampo que guente

DOUTOR PEREIRA:
E a cadeia que está caindo?
Eu mandarei reformar
Arborizarei o pátio
Para o preso descansar

ZÉ GAVIÃO:
Pra que cadeia dotô
Se o cabra fizé bestera
Nóis amarra ele treis mêis
No tronco da goiabeira
E se ele errá de novo
Nóis resorve na pexeira
E a lei vai ser pra todos
Nem fio de papai não escapa
Eles pode ser preibói
Mas pra mim não é nem preivaca

DOUTOR PEREIRA:
Eu construirei um clube
Com bar e amplo salão
Para o povo de Caneleira
Fazer o seu reveillon

ZÉ GAVIÃO:
O crube é só pra voceis
Porque o povo fica de fora
E lá no seu crube dotô
Só vai dá roque ande rola
Mais o cabocro só qué
Uma boa moda de viola

DOUTOR PEREIRA:
Eu entrarei com um projeto
Na Câmara Municipal
Para asfaltar Caneleira
Nosso querido arraial

ZÉ GAVIÃO:
Enquanto espera o projeto
Nóis bamo entrando pros cano
As ruas tem mais buraco
Do que queijo parmezano
Porisso nóis resorvemo
Fazê logo um mutirão
Pra tapá as buraqueira
Pegá nóis memo o  enxadão

DOUTOR PEREIRA:
Eu posso lhes garantir
Que para o ano seguinte
Abaixarei os impostos
Dos nossos contribuintes

ZÉ GAVIÃO:
Pra que imposto, nóis resorvemo
Não pagá nem um cruzeiro
Pois se nóis fazemo tudo
Pra que ainda dá dinheiro?
A sua conversa mole
De hoje em diante não embóca
Se o sinhô quisé moleza
Come sopa de minhoca
Se o sinhô qué ser votado
Vai fazê agora o que eu faço
- traga aí duas enxada
- duas libra e meia de aço
O sinhô pareia comigo
Num eito de cafezá
Com carrapicho de um metro
Desses que dói só de oiá
O povo fica esperando
Lá no arto do espigão
Aquele que de nóis dois
Vará primeiro o taião
Merece os votos do povo
No dia da eleição
Aí vem vindo as enxada
- ta pronto pra começá?
Tu vai vê quanto é gostoso
Cortá um carrapichá

DOUTOR PEREIRA:
Ah! vou embora desta terra
Onde só tem gente grossa
Vou morar na capital
Quero distância da roça

ZÉ GAVIÃO:
Agora ele vai embora
Porque viu a coisa preta
- Vorta aqui que tu vai vê
O São Pedro  de muleta
- Cabocada de Caneleira
Agora eu vô governá
Pra tomá posse do cargo
Não é preciso assiná
Basta um fio de minha barba
E os calo de minha mão
Vale mais que assinatura
Desses dotô tubarão