O COBRADOR DE PROMESSA
poema diálogo
(José Fortuna - grav. Zé Fortuna e Pitangueira)
Caipira (bate na porta): -Bom dia, Dotô Pereira, o senhor tá me conhecendo?
Político (eleito): - Não, não conheço, mas adivinho o que você está querendo.
Deve ser outro mendigo que aqui vem pedir esmola.
mas perdeste o vosso tempo, e trate de dar o fora.
Caipira: - Eu num sô nenhum mendigo, sô um home trabaiadô
os calo da minha mão pode mostrá meu valô
Tô descarço porque não pude nem comprá um sapatão
De tanto que trabaiei pra enriquecer os patrão
Político: - Bem. Mas diga logo o que queres ou eu perco a paciência
e mando-o jogar na rua para pagar suas ofensas.
Caipira: - Eu tô aqui prá cobrá o que o senhor prometeu
Quando pediu o meu voto com que o senhor se elegeu.
Eu sou aquele caboclo da Fazenda Viradô
Vim sabê o que o senhor fez para os pobre lavradô
Político: - Mas eu agora não tenho que lhe dar satisfação
Vou sair com meus amigos para uma reveillon.
Caipira: - Mas, Dotô, o senhor não disse para nós tê união
Para juntos construí a grandeza da Nação?
Eu trabaiei o ano inteiro, ajudei a Nação
Colhi pro senhor comê o arroizinho e o feijão
Agora eu quero sabê onde o senhor aplicô
Os seiscentos contos por mês que a nação lhe pagô.
Político: - Ora, caipira, você pensa que eu tenho pouca despesa
com o meu filho em Londres estudando a língua inglesa
com minha dez empregadas, meu copeiro, meu garçom
com meu cachorro Lulu que só come filé mignon
com minha esposa que usa só os perfumes franceses
com meus quatro cadilacs que eu troco todos os meses
com os meus tapetes persa que são os mais caros do mundo
e que agora você está sujando com o pó de seus pés imundos.
Caipira: - Este tapete, Dotô, fui eu que ajudei ganhá
trabaiando pro sinhô por isso eu posso sujá
esta poeira, Dotô, é o retrato da pobreza
me sujei foi pra coiê o feijão da tua mesa
a roupa que o senhor veste foi feita com o argodão
que foi plantado e colhido pelos homes do sertão.
Seu filho estuda em Londres, o meu nem escola tem
e o senhor disse que construía uma escola prá nóis também
cadê as estrada que o Dotô disse que mandava arrumá
cadê as roupa e os remédio que ia baratiá?
cadê os tratô que o sinhô pra nóis ia comprá?
Cadê as leis pra defendê os lavradô do sertão
Que tão passando apertado nas garras dos tubarão?
cadê o hospital gratuito que o sinhô prometeu construí?
Pra cobrar estas promessa é que hoje eu vim aqui!
Político : - Oh, estou sendo insultado no recinto do meu lar
Fez perder-me o apetite pra comer meu caviar
Vá embora, caipira bobo, não venha mais me amolar
Fecho-lhe a porta no rosto, pois preciso descansar.
Caipira: - Tu pode batê a porta em minha cara, Dotô
Também um dia Jesus em seu santo rosto apanhou
Mas isso não faz calá a nossa voz no sertão
um dia, se Deus quizé, vai triunfá a razão
por isso eu faço um apelo aos nosso governadô
pra que faça arguma coisa para os pobre lavradô
se não os home do campo vão abandonar o roçado
aí eu só quero vê, seus canaia tubarão,
vocês comê cadilac e vesti televisão
quero vê o Dotô Pereira ir outra vez no sertão
pedi voto pro caboclos, eu juro de coração,
Vô atirá na cara dele com toda satisfação
todos ovos e tomate que encontrá na região.