ESPELHO DO TEMPO
milonga
(José Fortuna - grav. Zé Fortuna e Pitangueira)
Um moço ficou doente, logo após o casamento
e só se salvaria se operasse com urgência
Mas perderia as vistas e ele decidido
preferiu ficar cego mas salvar a existência
E pediu para a esposa que ficasse em sua frente
no derradeiro instante que perdesse a visão
para ficar gravada na eterna noite escura
a imagem da esposa na sua imaginação.
Ele foi operado e ao passar quarenta anos
ainda ele guardava na memória aquele instante
E dentro da cegueira jamais imaginava
que a esposa já não era mais bonita como antes
Um dia de joelhos os dois fizeram uma promessa
Pra que Deus lhe deixasse ver de novo a luz do dia
E deu-se um milagre ali naquele instante
em frente a imagem santa os seus olhos se abriam.
Ele que há tantos anos viveu sem a luz dos olhos
esqueceu que em tudo a mão do tempo dá um fim
Suas garras traiçoeiras destróem sem piedade
a rosa que foi ontem a mais bonita do jardim
Julgando que a esposa fosse linda como outrora
virou-se pra beijá-la mas porém que desengano
ali em sua frente viu uma pobre velhinha
era sua velha esposa destruída pelos anos
Pensou fugir na hora mas ao levantar o rosto
viu dentro de um espelho a cruel realidade
seu rosto também velho era o espelho do tempo
mostrando para ele o caminho da verdade
e abraçando-se a ela soluçando arrependido
como se ele tivesse de um sono despertado
jurou seguir com ela a estrada da velhice
deixando a mocidade para sempre no passado.